Modificação da ótica sobre Segurança Pública

Um primeiro passo apontado pela maior parte dos especialistas diz respeito à modificação da forma como a Segurança Pública é enxergada. Nesse sentido, Segurança Pública precisa deixar de ser vista como mero problema de polícia e passar a ser entendida como um instrumento complexo e fundamental para a manutenção da ordem social, e isso envolve muito mais do que apenas a polícia, pois abrange o contexto social composto por um histórico de escravidão, pela desigualdade social enraizada e pela cultura de violência incrustada nas camadas mais profundas do Estado e da sociedade civil. Envolve, portanto, a modificação de elementos estruturais.

A polícia deve ser entendida como apenas um dos mecanismos dentro de um conjunto gigante de políticas públicas possíveis, que precisam ser articulados de maneira sincronizada e coesa. Portanto, é equivocado pensar que apenas a repressão, via polícia, irá solucionar todos problemas sociais de segurança pública.

Segurança Pública não é e nem pode ser sinônimo de polícia reativa. Muito antes da repressão, é necessário que outros atores (públicos ou não) participem na criação de uma sociedade com condições mais igualitárias e melhores, colaborando para a redução da violência. A prevenção, portanto, deve ser vista como um caminho a ser seguido.

O caminho da prevenção possui vários benefícios, dentre os quais é possível destacar:

  1. Diminuição efetiva do número de crimes, já que, ao atuar antes do crime, evita-se a sua ocorrência. Portanto, ao contrário da repressão, que irá interferir apenas quando a criminalidade já estiver em prática, a prevenção efetivamente impede que o crime ocorra, o que é muito mais inteligente e benéfico para todos;

  2. Possibilidade de realização por quaisquer atores da sociedade. Nesse sentido, ao contrário da repressão, que é monopólio dos Órgãos constitucionais de segurança pública, a prevenção pode ser feita por meio de políticas de particulares, de empresas, do Judiciário, de Igrejas, de ONG´s, da sociedade civil e etc., ficando, inclusive, mais fácil de atingir a Segurança Pública quando todos agem em conjunto;

  3. Estruturação com base em diferentes áreas, não sendo necessário que seus agentes sejam especialistas em segurança pública. Isso acontece porque na prevenção o foco são as causas dos problemas, e diversas das causas não estão ligadas à segurança em si, mas sim à educação, à saúde, à assistência social e etc. Por exemplo: uma ONG que ofereça atividades extracurriculares para crianças carentes pode gerar, por meio do seu trabalho, reflexos nos números da segurança pública do futuro. Afinal, ao evitar que tais crianças fiquem desocupadas e por meio da introdução de novos interesses nas suas vidas, fica mais afastada a possibilidade de que elas integrem o sistema carcerário no futuro, quando adultas.

Ao optar pela prevenção, não significa de todo que a repressão deixará de existir, não. Entretanto, uma política de prevenção eficiente e integrada seria capaz de fazer com que os números da criminalidade caíssem consideravelmente. Assim, os mecanismos de repressão seriam reservados apenas para a minoria que efetivamente transgredisse a lei e a ordem. O resultado seria a diminuição na prática de crimes, somada ao descongestionamento do sistema carcerário e uma sensação de segurança real para a população. Nesse sentido, a segurança sentida hoje em dia pela presença das polícias ostensivas na rua não é real, por um simples motivo: quanto mais seguro for um lugar, menos ele vai precisar da polícia na rua. Isso é visível sobretudo em comunidades carentes, nas quais a presença dos policias significa que algo deu errado e alguma operação precisou ser deflagrada. É nessa situação que trocas de tiro acontecem e que balas perdidas matam pessoas. Operações de segurança pública, para serem bem sucedidas, devem efetivar a segurança. Ou seja: quando há tiros, quando há mortes ou ocorrem lesões corporais, significa que as operações falharam em algum ponto.

É preciso entender que a cultura de violência internalizada pelos organismos do Estado só gera mais violência e que repressão não é e nem pode ser vista como um antônimo dos direitos humanos. Por isso, o Estado, mesmo quando estiver exercendo sua função legítima de repressão, não pode deixar de lado a observância desses preceitos fundamentais elencados na Constituição da República e em tratados internacionais.

Segundo os especialistas é necessário, portanto, mudar o paradigma que acredita na repressão como sendo a forma mais efetiva de garantir a Segurança Pública. Se fosse, hoje em dia, com quase 800 mil presos, o Brasil deveria ser muito mais seguro do que a 100 anos, mas não é. É hora, portanto, de modificar a lente pela qual a Segurança Pública é vista, entendendo-a como um problema de todos, que pode ser afetado por mecanismos constitucionais, legais e sociais, e que precisa ser pensada de forma integrada e com foco na prevenção, para que assim se obtenham números efetivamente benéficos no futuro.